Observatório JB traz nesta postagem comentários sobre possíveis impactos que podem ocorrer na cultura das organizações, no médio e longo prazos, com a extensão do uso de algumas das novas formas de trabalhar adotadas neste período de pandemia. E apresenta alternativas que estão sendo formuladas para fazer a transmissão de aspectos comportamentais da cultura, que são absorvidos pela observação direta, em um ambiente com baixa demanda de contatos pessoais.
Tempo aproximado de leitura: 10 minutos
Contexto
Os
meses mais recentes que vivemos – na verdade, mais de um ano – trouxeram muitos
desafios para as relações interpessoais no mundo empresarial, principalmente no
que se refere ao desenvolvimento humano e à formação de equipes.
Com
grande parte do pessoal trabalhando em home office e agora, gradualmente,
com a adoção do “modelo híbrido” (semipresencial), uma importante etapa do desenvolvimento
profissional tem sido prejudicada, mais especificamente a modelagem
profissional – que se dá preponderantemente pela possibilidade dos novos
profissionais absorverem a experiência e a cultura organizacional, de forma
combinada, a partir da observação e interação junto aos profissionais mais experientes.
Sabemos
que a expectativa de resposta desta questão vai além do que pode proporcionar um
treinamento produzido para ser realizado por meio remoto, com possibilidade de
interação entre as partes. Na verdade, ao longo dos anos, a forma natural como
essa modelagem profissional vem se dando, tem levado em consideração como
aspecto mais importante do aprendizado o que é chamado por alguns especialistas
de “absorver pela observação”, processo pelo qual os jovens (ou recém-contratados)
podem aprender sobre a postura diante do trabalho, as normas e as principais
características da cultura de uma empresa.
Nessas condições as pessoas em processo de ambientação ouvem conversas telefônicas com negociações difíceis, vivenciam o grau de proximidade e troca dentro da equipe e entre as diferentes equipes, observam o tempo e o processo para produzir um documento complexo, participam de visitas a clientes para ouvir os desafios e preocupações destes, além de terem oportunidade de receber tarefas diretamente dos mais antigos e obter feedback destes quanto ao conteúdo e à forma esperados na empresa. Aprendem pelo conhecimento tácito as normas, a dinâmica e a cultura corporativa e dão também a sua contribuição para a equipe.
Conhecimento tácito
Especialistas,
analisando empresas mundiais, afirmam que o conhecimento não falado, que se
acumula com o tempo, precisa de confiança e familiaridade para fluir e tende a
seguir caminhos já bem consolidados.
Afirmam também que, por serem detentores de imensa quantidade
de conhecimento tácito, os membros mais velhos e experientes das organizações não
tem qualquer prejuízo neste particular por trabalhar em casa. Já aos
trabalhadores mais jovens ou àqueles que acabaram de ingressar em organizações,
a estes faz falta esta forma de entender o que é o lugar, como navegar no
negócio, ou onde o verdadeiro poder está, por trás das hierarquias formais.
Como é motivo de preocupação crescente, o assunto produziu
algumas pesquisas e parte do que se descobriu foi suficiente para aumentar a
preocupação dos especialistas porque há sinais de que:
1. o trabalho híbrido, em que um trabalhador está no escritório apenas alguns dias por
semana, vai se transformar em uma estrutura de trabalho de longo prazo;
2. pessoas mais velhas e experientes, podendo evitar longos
deslocamentos, tendo escritórios domésticos confortáveis e redes bem
estabelecidas, tendem a optar por trabalhar de casa tanto quanto possível;
3. pessoas mais jovens, com sede de socialização, estariam dispostas
a trabalhar no escritório com mais frequência;
4. em consequência, teríamos nas empresas muitos “observadores”, mas poucos modelos a serem observados.
Estratégias
Se definição ainda não há, algumas estratégias para
superar essas dificuldades foram alinhadas, produzindo orientações tais como:
1. Inovar com tecnologia. É fato que as
empresas agora estão inovando com tecnologia. Por exemplo, a empresa de
consultoria PwC, usou plataformas e realidade virtual para ajudar a integrar os
mais de 1.300 novos contratados que começaram a trabalhar em seus escritórios
no Reino Unido no ano passado.
Na prática: Os novos contratados, sem contato físico, são apresentados a
um "parque mundial virtual". Lá, eles podem optar por assistir
aos sócios seniores presentes em um auditório virtual, interagir com outros
novatos na cafeteria virtual usando fones de ouvido (de realidade virtual) e
até mesmo fazer uma viagem de lancha. “A intenção é de que as pessoas sintam
que podem passear e ter conversas privadas e percebam que este é um espaço
íntimo onde podem fazer perguntas”, segundo executivo da PwC.
2. Organizar as interações. Consiste em promover rodadas de conversas com tópicos
que a equipe realmente quer ouvir, em grupos de três ou quatro novos
contratados que se reúnem semanalmente para falar sobre altos e baixos e se apoiarem
mutuamente, em sessões dirigidas por profissionais mais experientes na empresa.
Na prática: Durante o início do
encontro, os novos são convidados a falar sobre as preferências de estilo de trabalho
para que possam aprender rapidamente como seus colegas trabalham juntos como
uma equipe. Participam, também, de sessões de vídeo três ou quatro dias por
semana durante uma hora, orientados por líderes e compartilhando como trabalham,
suas táticas de resolução de problemas e descrições de “um dia na vida” com diferentes papéis.
Em artigo* recente da publicação online do MIT, são acrescentadas a estas as seguintes diretivas:
a. É urgente que sejam desenvolvidas novas formas de disseminação do conhecimento,
além das produzidas com o treinamento formal,
para a integração de novos profissionais, à medida em que mudamos nossas formas
de trabalhar.
Porque, se o encontro face a face é menos frequente, os meios para
absorção desse conhecimento, por vezes não explícito, precisam ser substituídos
para que a transmissão de importantes informações para a evolução do ambiente da
empresa não sofra interrupções. Reportando-se ao texto acima, algumas opções
podem ser as conversas com curadoria ou os mundos virtuais criados pela PwC.
b. A montagem de modelos híbridos deve considerar a necessidade de criar momentos em que “observadores” e “observados” possam interagir presencialmente, projetados na proporção de horas ou nas “escalas” de trabalho presencial,.
Porque, se no modelo híbrido de trabalho os “observadores” estiverem
sempre no escritório e o “observado” em casa, ou se a coincidência de ambos no
ambiente presencial for eventual, é alta a probabilidade de que ocorra uma séria
perda de qualidade nessa transmissão de conhecimento e na transmissão de aspectos da cultura organizacional.
c. Quando houver previsão
da ocorrência de eventos com experiências valiosas, é importante garantir que aqueles que mais possam se beneficiar
deles estejam presentes. Seja no modo presencial ou remoto.
Porque, para que tenhamos a transmissão do conhecimento, da experiência,
ou, como se diz informalmente, “todos na mesma página”, a exposição simultânea a
experiências importantes é crucial no desenvolvimento individual, na formação das
equipes e na evolução da cultura organizacional.
Desenho do futuro
Em todo o material disponível e nos questionamentos até hoje elaborados sobre o trabalho remoto - e o seu derivado, modelo híbrido - muito se fala
sobre as necessidades de recursos de tecnologia, de modelos de gestão de equipe,
de acompanhamento de projetos etc. Conteúdos obviamente válidos na medida em
que nos habilitam para lidar com uma nova demanda que, para muitos, surgiu inesperadamente.
Agora, porém, podendo olhar o futuro com uma perspectiva de prazo
mais longo, e considerando que componentes da mudança temporária estão sendo
incorporados à vida das empresas, o estudo e a aplicação de técnicas para o
fortalecimento dos aspectos da cultura organizacional – seja para a sua
manutenção ou transformação – devem passar a receber maior atenção e divulgação
no meio dos especialistas em gestão.
Informações detalhadas, pedido de reunião ou interesse em temas afins: contato@jbconsul.com.br
ou (21) 9999-52440 (também no WhatsApp)
(*) Artigo escrito por Lynda Gratton ( @lyndagratton ), professora de prática de gestão na London Business School
e fundadora da prática de consultoria HSM. Seu livro mais recente (com
Andrew J. Scott) é The New Long Life: A Framework for Flourishing in a Changing World (Bloomsbury,
2020).
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